sumidouro
Sumidouro é a abertura por onde algo se escoa, se some. É destino de dejetos ou é buraco que repentinamente rasga o chão ou é furo em que um rio escorre. É lugar de evasão e perda. Sumidouro também é o nome de um município do Rio de Janeiro, de uma reserva em Minas Gerais, de uma rua em Pinheiros.
Em certas regiões, o curso das águas é drenado pelo solo: é abrigado na porosidade das rochas ou força sua permeabilidade criando fraturas. A água penetra. E desaparece na terra pelo sumidouro. A terra suga, cede, se aprofunda. No sumidouro há queda abrupta e depois absorção lenta; há perda e transformação.
Para pensar o Sumidouro como conceito curatorial, é preciso entendê-lo como a própria dinâmica da arte. Como a fissura que se abre para o mundo, faz as coisas sumirem e serem transfiguradas. A obra de arte é uma abertura por onde algo se escoa e se some, para depois reaparecer absorvido, deslocado ou transformado. O sumidouro é a garganta da terra. A arte é a garganta que engole o objeto comum, o conforto, o cotidiano, o previsto.
O curso de um rio pode ser seguido até o ponto em que ele é tragado e some. A partir dali, do sumidouro, nada mais se sabe, nada mais se controla. A partir dali as coisas continuam apenas no escuro, no subterrâneo, na misteriosa digestão mineral. Também o curador pode acompanhar o percurso da arte, reconhecer e atuar em seu território até o momento em que ela penetra na escuridão das subjetividades. O curador pode criar conceitos para pensar obras de arte, mas sabe que aquilo que gera a potência de uma obra não pode ser dito, pois ali a linguagem e os conceitos somem, são engolidos por uma experiência que suga, cede e aprofunda. Sumidouro é o ponto em que a arte extravasa a compreensão, que é desmoronamento interior, queda e sumiço, e que por isso é também o limite do processo curatorial.
Sumidouro é uma proposta curatorial de risco, que adentra e se mantém em uma zona de desconforto. Pois não se trata de um conceito elucidativo ou sistemático, mas de um direcionamento que conduz somente até à borda do abismo. No sumidouro, todos são abandonados aos riscos do pele-a-pele, do confronto solitário com o que comove sem explicações.
É indispensável para a arte haver algo importante e incerto, porque a segurança não desperta as emoções, não desafia o pensamento. Cada artista sabe que por mais consciente e técnico que seja seu processo de criação, há algo em suas obras que ele próprio não compreende e que é capaz de confrontá-lo como um estranho. O sumidouro é o lugar em que a obra de arte foge do controle até mesmo dos próprios artistas. É o lugar em que ela á enigma, abismo, fratura, perda de si, mergulho no desconhecido. Em que tudo é engolido: os roteiros, o sistema, as instituições, os sujeitos, os conceitos. Permanece apenas o silêncio viscoso de tudo que escorrega pelas redes de galerias do subsolo, sob a superfície do mundo.
Curadoria: Kamilla Nunes
SP-Arte [Laboratório Curatorial / Coordenação: Adriano Pedrosa]
Texto: Debora Pazetto e Kamilla Nunes
Artistas/obras:
Deyson Gilbert. 6 metros, 2012.
Vanderlei Lopes. Catedral, 2009 -12.
Iran do Espírito Santo. Sem título (Buraco de Fechadura), 2003.
Túlio Pinto. Diagonal, 2011-12.
Ivan Navarro. Donde Estan, 2008.
Mariana Sissia. Série Sistema de defensa de mi misma - Juegos para no jugar 1, 2010.
Mariana Sissia. Série Sistema de defensa de mi misma - Tengo miedo, 2010.
Marcius Galan. Seção (canto), 2012.
Tatiana Blass. Cerco # 2, 2011.